
Saber que tem uma doença que não tem cura, apenas tratamento, é capaz de tirar qualquer um do prumo. Para mim, foi um momento de... “ah, então é isso e eu não estou doida nem com mania de doença!”. Eu já havia sido diagnosticada há cinco anos com outra doença crônica, mas continuava do mesmo jeito, com as mesmas dores, os mesmos sintomas e inchada, por causa do excesso de corticóide.
Esse outro diagnóstico foi bem mais difícil de receber. Lembro que na época, o médico me perguntou, em tom de brincadeira: “Você não vai chorar? Todo mundo chora!” Não, moço, eu não sou assim fácil de derrubar. E, por conta de uma longa história de vida muito particular e específica, aprendi a não chorar por desespero ou angústia na frente de qualquer um. Choro quando alguma coisa me comove, quando acho alguma coisa muito bonita, quando nascem bebês e quando estou com raiva. Nesse último caso, sempre procuro um banheiro.
Aprendi a fazer piada de mim mesma ainda muito pequena. Há quem me ache sarcástica. E talvez eu seja mesmo. Mas triste? Ah, isso não. Mesmo quando estou deprimida, com dor, eu procuro rir. Eis o motivo do nome deste blog.
Mas, voltando à questão do diagnóstico: eu sempre soube que era hipermóvel, porque eu e meu irmão cansamos de brincar de mover braços, pernas, dedos e cotovelos de um jeito que nossos amiguinhos não conseguiam. Mas ninguém achava que isso fosse um problema. Não doía.
Sempre fui meio moleca. Talvez para ajustar meu comportamento (ou minha coluna) fui parar nas aulas de ballet clássico. Eu me sentia a pata choca no meio dos cisnes. Era (sou) descoordenada, não tenho noção do espaço que ocupo, sou estabanada. Se não fosse tão baixinha, diria que sou o próprio elefante em loja de louças. Ou seja, nada de ballet pra mim.
Voltei ao carrinho de rolimã e, mais tarde, ao skate, que eu dominava bem direitinho. Mas os patins... não havia jeito. Como também nunca aprendi a brincar de bambolê. Nunca fui uma menina delicada. Sentava na escola em cima da perna; no recreio com as pernas em W e achava a posição de yoga (ou de índio, como as professoras falavam na minha infância), a coisa mais confortável do mundo.
Perdia o fôlego em todas as corridas, fugia das aulas de educação física porque tudo doía e ninguém acreditava e tive crises de enxaqueca desde sempre.
A verdade é que quando recebi o diagnóstico de Síndrome de Ehlers-Danlos do tipo hipermóvel, eu já esperava por ele. Isso porque meu marido, que também é jornalista, havia entrevistado a médica que hoje cuida de mim. Enquanto ela descrevia os sintomas, ele foi me encaixando em todos. E não sossegou enquanto eu não marquei uma consulta. O detalhe é que eu não assisti à entrevista.
Sabe o exame clínico que mostra a hipermobilidade? Eu estava bem encaixadinha nele também. O que eu não sabia é que meu cansaço extremo, as tonturas esporádicas, a “alma que sai do corpo” quando eu me levanto da cama pela manhã e até o suor excessivo do meu rosto e cabeça fazem parte do quadro. Também desconhecia a relação entre as dores cotidianas e as crises alérgicas, as coceiras infernais e até a falta de coordenação motora e as quedas constantes.
Assustador foi perceber que meu tornozelo torcido nunca ficava bom (eu rompi um ligamento no peito do pé, num lugar meio “exótico”. Meu joelho esquerdo sempre foi um problema, mas quando o tornozelo, os punhos e o ombro começaram a doer também e a sair do lugar, foi tenso. E o diagnóstico anterior não explicava tantas luxações. Eu me sentia um daqueles mamulengos operados por cordas que, depois do espetáculo, são largados molengas e disformes no chão.
Hoje, o que me assusta é a imprevisibilidade da doença. Não saber quando nem onde eu vou sentir dor ou fadiga. Estar sempre procurando uma cadeira ou um apoio em compromissos, eventos e entrevistas. Além da conta da farmácia, é claro. São infinitos remédios. E, também, a verdadeira junta médica que me assiste.
Não tem cura, eles disseram. Mas tem tratamento e, hoje, viver com dores que são tranquilamente suportáveis me parece uma benção. Ainda enfrento outros sintomas. Ainda há coisas a descobrir. Mas o fato de ter SED não me imobiliza.
O que me fere é o preconceito das pessoas, que julgam, sentenciam e condenam sem ao menos mudar de expressão. Ora, senhores e senhoras preconceituosos, é preciso reforçar que eu nasci assim e vivi assim por toda a minha vida. Essa é quem eu sou. Da mesma forma que uso óculos, tenho SED. E vou continuar rindo.
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